Um dia, após uma conversa com um amigo, fiquei a pensar nisto: "a não rotina da vida de um guia e o esforço para que possamos ter uma vida pessoal." A vida de um guia é maravilhosa, mas enormemente trabalhosa e tão contrária à ideia de leveza, passeio, ar livre, a sorrir o tempo todo que a maioria das pessoas imagina: "ah só tens que passear e apontar umas coisas à esquerda e outras à direita". O que eu gostava que essas pessoas experimentassem ser guia por um dia, um meio dia, uma panorâmica, ou um simples transfer! Sem dúvida é uma profissão que nos faz crescer. A professora de francês na faculdade dizia que, a primeira coisa que admirava na minha profissão, era a coragem de estar em frente a um grupo com 40 pessoas mal saímos da faculdade, aos 21 anos. A responsabilidade que se exige é gigante. Hoje em dia, penso nisso a rir, mesmo, porque com o que sei hoje acho que se voltasse aos 21 anos, não teria essa coragem! Entramos num autocarro e temos 40 caras desconhecidas na nossa frente que esperam passar dias felizes, memoráveis, em que tudo corre bem. E lá vamos nós, um programa que tem de bater certo, a horas certas, dinheiro nos bolsos que não é nosso, restaurantes para controlar, hotéis... As aventuras começam, porque nem sempre o programa "cabe" nas horas ou nos dias em que os monumentos estão mesmo abertos, porque por vezes chove e o cliente acha que no programa está incluído sol e quase nos bate, porque as pessoas chegam com stress acumulado e afinal querem é reclamar para descomprimir do que não podem gritar nos seus empregos, porque esquecem os comprimidos essenciais para cuidar das suas doenças e temos que ir à farmácia salvar-lhes a vida, porque têm 70 anos e no fundo querem é apenas atenção, porque nos fazem as perguntas mais absurdas ou porque muitas vezes há senhores que acham que as guias são apenas caras bonitas que têm de sorrir e que podem dizer as coisas mais estapafúrdias do mundo! Lidar com pessoas é tão difícil, basta pensar nisso. Nós lidamos com pessoas de todos os países, religiões, raças, feitios... só isto... a calma, a tolerância, o respeito que se aprende a ter é essencial. E isso é uma das coisas que mais gosto nesta profissão. Ser guia fez-me crescer. Aprendi a ver o mundo de todos os olhares e a perceber que não há Uma visão correcta. Aprendi que as pessoas querem apenas ser felizes, mas nem sempre sabem sê-lo. Aprendi a ser responsável ao máximo, porque comigo vai o nome da agência, do restaurante, do hotel, da cidade, do país. Aprendi que Portugal tem tantos defeitos quanto todos os outros países e que não somos infinitamente piores. E aprendi a dividir o meu tempo de Vida. Porque o guia não tem rotina. Trabalha quando há, por vezes fica 2 meses sentado em casa e depois 2 meses sem parar, manhãs, tardes, noites, nos horários mais absurdos do mundo! Mas vai e sorri. Mesmo ao fim de 35 dias sorri e tem que repetir porque o senhor estava a falar e não ouviu, tem que ir à loja porque a senhora não sabe como dizer, tem que sugerir, tem que... sorrir. Dizer sim, estou aqui. Mesmo quando a nossa vida pessoal corre menos bem. É que o guia não pode acordar e dizer: ah hoje estou sem vontade, vou telefonar a dizer que estou doente! Ah pois... o guia vai. E no meio de tudo isso estão a família e amigos. Que como nós tiveram que aprender o que é ser guia e o que isso exige. Por mim falo, no início foi um pouco difícil: fins de semana outra vez? noites outra vez? tu não queres é ir jantar! Depois perceberam e ajudaram a tornar tudo possível! Por isso, hoje lembrei-me de agradecer à família e aos amigos que continuam aqui a aturar-me, porque às vezes, depois de tours e de tantas pessoas, acreditem que o melhor que nos sabe é silêncio. Mas logo a seguir: as nossas pessoas, a nossa língua, os nossos lugares. E eu... adoro ser guia. E quando estou cansada e penso, não vou aguentar esta não rotina, quando entro num autocarro e o grupo é feliz e começo a falar de Portugal e as pessoas reagem com sorrisos e perguntas e fotos e elogios e o aperto no coração porque vamos deixar aquelas pessoas, fico com a certeza que não vou desistir nunca. Porque não há como nos dizerem que sentem que amamos o que fazemos, que passaram dias bons que nunca irão esquecer, pessoas que sabemos que não as veremos mais, que nos aplaudem num aeroporto, que nos escrevem no Natal, que tiram fotos, que saem de sorrisos na face e nos fazem chorar! E então, todo o esforço vale mesmo a pena.
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